Habitar _ ensaio curto 02

O invólucro que fornece abrigo para o homem tem uma relação íntima e presente com o cotidiano e com as relações sociais que se dão no meio humano. A este invólucro damos o nome de Habitação. Em seu significado primeiro têm-se apenas a função de abrigar e proteger o homem das intempéries e dos predadores. Porém, a complexidade das relações interpessoais humanas, criaram novos tipos de percepções sobre este: a habitação passa de um simples abrigo para fazer parte da definição do caráter individual perante a sociedade.
Habitar é criar um espaço caracterizado pela personalidade e interpretação das atividades ali realizadas, ou seja, criar-se um lugar. Um lugar é mais que um local ou espaço geográfico, pois nele identificamos significados e emoções. Exemplo disso é a afeição que se cria, sendo positiva ou negativa, ao espaço onde passa-se a maior parte do tempo, seja o trabalho, escola ou um espaço público. O Homem não é inerte ao meio que o cerca, principalmente quando a função do espaço é habitar.
Por ser de natureza subjetiva o papel emocional da casa é relativo, afinal uma habitação pode carregar emoções e conceitos diferentes para cada pessoa que nela se abrigar. Percebe-se aí uma relação direta com a edificação. Quando digo isso me refiro a casa, ou morada, em seu sentido mais elementar, definido como uma edificação onde repousa-se nas horas de descanso e se realiza atividades intrínsecas ao ser humano e o ato de habitar.
No primeiro momento identificamos as características físicas e julgamos o que é bom ou ruim, baseado em conceitos e opiniões pessoais, pois o que é bom para um pode ser ruim para o outro.  Após a identificação e catalogação do espaço começamos a gravar o emoção sentida em cada fração do espaço que nos rodeia. Este fato pode ser claramente percebido na relação do homem com um quarto provisório: em um primeiro dia não se sente nada em volta, pode ocorrer certa rejeição ao espaço, enquanto que, em seus últimos dias as experiências e emoções vividas em conjunto com este espaço o conceitua em nossa memória, por um determinado tempo passa a ser uma habitação pertencente ao seu residente, física e emocionalmente. É interessante, observar a tenuidade do limiar da mudança de um espaço para um lugar, pois é imperceptível o momento em que o espaço deixa de ser um mero conjunto de elementos físicos e passa a exercer emoções e conceitos na sua constituição.
O que antes era físico passa também a ser emocional. É nesse momento, em que o lugar é criado, que começa a construção do Habitar. Porém o contexto no qual se insere acaba por consolidar a conceituação emotiva da habitação, a este contexto denomina-se Habitabilidade, sendo uma rede de lugares que constituem as atividades cotidianas de um ser humano reforçando as características emocionais e físicas que conformam o lugar criado para Habitar-se. Pode ser tanto um único lugar quanto uma infinidade de lugares, pois o que determina a localização do Habitar são as memórias de cada ser, que vão se constituindo conforme os lugares vivenciados. Em outras palavras, o Habitar se constitui em tudo aquilo que fazemos e refazemos durante a vida.
Aprofundando mais em suas características encontra-se várias classificações de habitação das quais duas grandes classes se destacam: nômades e fixas. Estas definidas pelas tradições socioculturais que evoluíram durante as gerações de habitantes e se antagonizam por elementos construtivos, estéticos e funcionais.
Na primeira classe encontramos as ocupações em forma de acampamentos provisórios, muitas vezes em tendas e/ou materiais leves e de fácil transposição. Essas habitações efêmeras não se relacionam diretamente com seu entorno e provém do nomadismo, a base da sociedade humana. Sua ocorrência se dá por todo o planeta, desde sociedades que carregam em sua base cultural tais habitações, até indivíduos que fazem parte de sociedades fixas, porém optam por essa forma de habitação. Outras ocorrências são em eventos naturais ou conflitos sociais de grandes dimensões que acabam por destruir as habitações fixas, ou até impossibilitando a vida em alguns locais, forçando a população a viver ou refugiar-se em ambientes de transição, os quais carregam características nômades.
A segunda classe é mais ampla e popular, tem relação direta com o espaço ao seu redor, e surgiu da necessidade do homem de se estabelecer em um único local, deixando o nomadismo e se fixando em um terreno. Nela encontramos as duas principais tipologias: habitações unifamiliares, um edifício destinado a abrigar apenas uma família e as habitações coletivas, que são um conjunto de habitações unifamiliares que juntas formam uma única edificação.
A habitação é tão importante na constituição da vida humana que tem seu lugar garantido na Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH):


“Artigo XXV - 1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.”


Assim como a DUDH, a Constituição Brasileira resguarda a habitação, nomeada como morada, como um dos direitos básicos sociais, ou seja, são quesitos básicos que caracterizam a sociedade brasileira. Isso demonstra a importância que a habitação tem para as relações sociais dos cidadãos brasileiros, sendo a falta dela a principal fonte de descaracterização da pessoa como cidadão. O trecho citado está transcrito abaixo:


Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015)


Mesmo sendo direito definido na constituição brasileira, os dados dos Censos do IBGE demonstram uma disparidade entre a legislação definida na constituição e a execução da mesma. Os levantamentos do período de 2004 e 2014 demonstram que houve um crescimento percentual dos domicílios alugados, saindo de 15,4%, em 2004, para 18,5%, em 2014, enquanto o dos domicílios próprios não apresentaram mudanças permanecendo em 73,7%.
E sobre as condições práticas das habitações brasileiras percebe-se que houve alguns avanços em disponibilização de energia elétrica, onde apenas 0,3% ainda não dispunham de iluminação elétrica contrapondo os 3,2% anteriores. O acesso ao saneamento básico, não levando em consideração a fossa séptica, ainda que longe de aceitável, passou de 47,9% para 57,6%. Já o abastecimento de água está em 85,4% contra os 82,1% anteriores.
Além da infraestrutura de serviços das habitações, habitar requer serviços como coleta de lixo, que saiu dos 84,6%, em 2004, para 89,8%, em 2014. Também necessitando de produtos para serviços internos às habitações como as máquinas de lavar roupa, chegando a 58,7% em 2014, e geladeira tendo alcançado 97,6% das residências brasileiras, neste mesmo ano.
Com a globalização e a intensa pressão pela comunicação rápida e eficiente, notou-se um aumento nos serviços de telefonia chegando aos 93,5%, contando a telefonia móvel e fixa. A televisão, que vinha continuamente crescendo, praticamente não apresentou alteração estabilizando-se em 97,1%. Já o computador subiu de 16,3% para 48,5% dos domicílios brasileiros, sendo a maior alta em comparação com os outros dados coletados neste período.
A busca pela casa própria tem correspondência na cultura brasileira. Sendo em sua grande maioria o bem de maior valor e prestígio para os cidadãos. Sua importância social se demonstra na constituição, citada acima, e a não obtenção do mesmo, além de excluir socialmente prejudica na recuperação social de quem se encontra em tal situação. No Brasil existem cerca de 190.732.694 pessoas (IBGE - 2010) distribuídas 54.357.190 famílias nos 27 Estados mais o Distrito Federal, Para atender a estas famílias existem  57.320.555 domicílios compondo um superávit habitacional de impressionantes 2.963.365 porém pela má distribuição dos mesmos e a inadequação de parcela deste total, acaba-se por haver um déficit de 5.430.562 de domicílios, e cerca de 82,1 da população presente neste dado estão na faixa de renda de até 3 salários mínimos (SM).
O estado de Goiás, localizado no centro-oeste brasileiro, composto por 246 municípios, que juntos correspondem, segundo o Censo de 2010(IBGE), à 6.610.681 habitantes e 1.745.252 famílias, detém  1.885.438 domicílios e assim como no caso nacional, a má distribuição e inadequação de certos domicílios geram um déficit de 164.689 domicílios, ou habitações em péssimas condições físicas e urbanas.
Por ser um objeto com inúmeras associações físicas e emocionais, a habitação deve ser tratada com responsabilidade e respeito. Sua influência social e individual é de tal importância que se caracteriza como direito básico para todos os humanos, e isto implica não só na edificação isolada, mas em todo o contexto social e na existência de um mínimo grau de habitabilidade no local em que se insere, exigindo um apelo multidisciplinar em sua concepção e consolidação.



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